
O poder e a moral em Death Note
Death Note é uma obra criada por Tsugumi Ohba, publicada originalmente entre 2003 e 2006 na revista Shonen Jump. A trama gira em torno de Light Yagami, um jovem prodígio que encontra um caderno sobrenatural deixado por um shinigami chamado Ryuk. Qualquer nome escrito nesse caderno resulta na morte da pessoa. Movido por um senso de justiça, Light assume a identidade de “Kira” e inicia uma cruzada para eliminar criminosos e criar um “mundo perfeito”. No entanto, seu caminho entra em choque com o misterioso detetive L, dando início a um grande jogo de inteligência.
“Aquele que luta com monstros deve cuidar para não se tornar um monstro.”
— Friedrich Nietzsche
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Imagine um jovem brilhante, frustrado com a decadência moral da sociedade, que de repente recebe um poder absoluto: o poder de matar qualquer pessoa, em qualquer lugar, apenas escrevendo um nome em um caderno. Esse é o ponto de partida de Death Note, um anime que não se limita a ser apenas uma obra de ficção, ele é, na verdade, um tratado sobre o poder, a moralidade e os labirintos sombrios da justiça.

Death Note e a utopia do controle total
Light Yagami representa o desejo humano de controle absoluto. Inicialmente movido por um senso distorcido de justiça, ele acredita que eliminar criminosos fará do mundo um lugar melhor. Aqui, já se estabelece o primeiro diálogo com Thomas Hobbes, filósofo que defendia que, sem um poder soberano, a humanidade mergulha no caos, o famoso “homem é o lobo do homem”. Light, então, tenta se tornar esse “soberano oculto”, um Leviatã moderno, juiz, júri e executor.
Mas o que Hobbes via como necessário, um contrato social baseado em leis e instituições, Kira transforma em tirania individual. E é exatamente neste ponto onde mora a armadilha ética, quem vigia o vigilante?

A sociedade disciplinar de Death Note
O filósofo Michel Foucault nos alertava sobre as estruturas invisíveis de poder que moldam nossa sociedade, prisões, escolas, hospitais, e como o controle não precisa ser violento para ser absoluto. No mundo de Death Note, Light cria um sistema de disciplina global. O medo da morte instantânea age como vigilância total. As pessoas passam a se comportar não por ética, mas por medo.
O que Foucault chamaria de “sociedade de controle” atinge, aqui, seu ápice distópico, uma ordem mantida não por acordos sociais, mas pela ameaça do caderno que paira sobre todos.

A banalidade do mal
Ao longo da trama, Kira começa a agir não mais por justiça, mas por vaidade, soberba e autoafirmação. É impossível não lembrar de Hannah Arendt e sua teoria da banalidade do mal. Assim como os burocratas e extremistas, podemos citar, inclusive, os nazistas como exemplo, Light passa a justificar seus atos terríveis como simples “cumprimento do dever”. Mata não por prazer, mas porque se convence de que é necessário. E esse é um dos maiores perigos da moralidade distorcida, o mal que não se percebe como mal.
Quando a justiça se torna abismo
A trajetória de Light Yagami é, na verdade, um espelho cruel para qualquer sociedade que romantiza a justiça punitiva, a pena de morte e a ideia de que “os fins justificam os meios”. Death Note nos convida a perguntar: em que momento a busca por justiça se torna tirania? E quantas vezes, em nome de um bem maior, cruzamos linhas éticas que não deveriam ser ultrapassadas?
Foto destaque: Light Yagami e L. Divulgação/Netflix