Korean Magazine BR

O Verão em que Hikaru Morreu o peso do passado e do presente

“O Verão em que Hikaru Morreu”: o peso do passado e do presente

O quarto episódio do anime “O Verão em que Hikaru Morreu” mergulha ainda mais fundo na atmosfera enigmática e opressora do vilarejo, revelando camadas sociais, espirituais e emocionais que estavam apenas insinuadas até aqui. E, na minha visão, esse é o capítulo mais simbólico da temporada até agora — não por grandes reviravoltas, mas pelo que ele diz nas entrelinhas.

É um episódio onde pouca coisa acontece de forma direta, mas tudo pulsa embaixo da superfície. A tensão é densa, como se o ar ao redor de Yoshiki estivesse começando a pesar, a sufocar. As pessoas estão começando a ver, a escutar, a duvidar. Mas o mais assustador não é o que o novo Hikaru é, e sim o que a vila inteira parece estar se recusando a enfrentar. Há uma espécie de pacto silencioso pairando sobre cada fala, cada olhar.

E isso, pra mim, é o que torna esse episódio tão potente: ele não precisa de monstros pulando da mata ou confissões bombásticas. O horror aqui é cultural, estrutural e emocional. O episódio nos força a perceber que o maior perigo pode não ser o Hikaru que voltou… mas a normalidade que todos à volta escolhem manter.

Um vilarejo sem igrejas: a ausência que fala alto

Algo que me chamou muito a atenção nesse episódio foi a revelação de que não há igrejas naquele vilarejo. Existe, sim, um santuário — o que é comum no Japão — mas é só isso. Nenhum templo cristão, nenhuma capela, nada que remeta a outras práticas religiosas. E por que isso me parece importante?

Porque, enquanto os vilarejos vizinhos têm igrejas até demais (segundo o próprio Tanaka), esse lugar onde se passa a história parece viver uma espécie de isolamento não só geográfico, mas espiritual. A ausência de pluralidade religiosa sugere um controle simbólico sobre o modo de viver — e de morrer — das pessoas. Não há espaço para outros rituais, outras formas de fé, outras interpretações. A religião aqui não acolhe, ela limita. E talvez isso diga muito sobre o tipo de “proteção” que essa comunidade oferece… ou finge oferecer.

Quem vê, quem ouve, quem finge que não

Outro ponto muito interessante neste episódio é o aumento do número de pessoas que conseguem perceber o que está por trás da estranheza do novo Hikaru. Um dos homens que chega para ajudar com a situação da montanha parece ter mais sensibilidade do que o resto. E não só ele.

  • "O Verão em que Hikaru Morreu": o peso do passado e do presente
  • "O Verão em que Hikaru Morreu": o peso do passado e do presente

A amiga dos protagonistas — que já tinha aparecido como uma personagem coadjuvante — começa a ganhar mais profundidade aqui. Ela ouve sons que os outros não ouvem, sabe quais lugares são perigosos para andar, como evitar a linha do trem, e parece ter uma conexão com essa “coisa” que domina a vila. Eu acho que ela pode se tornar peça-chave nos próximos episódios, principalmente se essa sensibilidade evoluir para uma percepção visual. Ela pode ver o que os outros escolhem ignorar.

O preconceito camuflado em “O Verão em que Hikaru Morreu”

Essa parte me pegou de surpresa. Num flashback sutil, Yoshiki e o verdadeiro Hikaru comentam sobre um amigo que desapareceu após o vilarejo rotulá-lo como “doente”. Mas, lendo nas entrelinhas, o que está dito é que esse garoto era homossexual. E, por isso, foi expulso do tecido social daquela comunidade — talvez literalmente.

Isso revela uma mentalidade repressiva e violenta, que associa a identidade LGBTQIA+ a um problema de saúde ou desvio moral. Me fez pensar se a ausência de igrejas está mesmo ligada à ausência de religião — ou se o culto do vilarejo é justamente o da repressão, da ordem imposta, do silenciamento.

O luto travado de Yoshiki: aceitação ou substituição?

Se nos episódios anteriores o luto de Yoshiki era negado, aqui ele começa a tomar forma — mas ainda de um jeito travado, preso. A sensação que tive foi de que ele está tentando substituir o verdadeiro Hikaru por esse “novo” Hikaru, ao invés de aceitar a perda. É como se ele dissesse: “não vou viver esse luto de novo, então vou fingir que nada mudou”.

"O Verão em que Hikaru Morreu": o peso do passado e do presente
Cena do anime “O Verão em que Hikaru Morreu” (Foto: Reprodução/Netflix)

Mesmo que ele saiba, racionalmente, que aquilo que está com ele não é seu verdadeiro amigo, a ligação emocional — inclusive amorosa, talvez — ainda é muito forte. E isso impede qualquer tipo de ruptura real. O novo Hikaru é uma lembrança viva, uma ausência disfarçada de presença. E Yoshiki prefere essa ilusão à dor crua do vazio.

Quando Hikaru morreu? A revelação que muda tudo

Um detalhe aparentemente pequeno, mas que muda completamente a leitura do título da série: neste episódio, Yoshiki diz que encontrou o corpo de Hikaru ainda bem preservado, o que só seria possível porque era inverno. Ou seja, Hikaru morreu no final do inverno, e não no verão como o título sugere.

"O Verão em que Hikaru Morreu": o peso do passado e do presente
Cena do anime “O Verão em que Hikaru Morreu” (Foto: Reprodução/Netflix)

Isso me fez pensar que o título “O Verão em que Hikaru Morreu” não se refere à morte física do personagem. Mas que é o momento simbólico em que Yoshiki finalmente aceita a perda. Em que ele se permite dizer “ele morreu” — não com a boca, mas com o coração.

Ou talvez esse título se refira ao que ainda está por vir. Pode ser que o novo Hikaru vá desaparecer (ou morrer de verdade) no verão, encerrando de vez esse ciclo estranho entre apego, substituição e luto. E, se for isso, o verão será duplamente doloroso para Yoshiki: a morte biológica do passado, e a morte simbólica do presente.

Camadas, ruídos e um silêncio ensurdecedor

O episódio 4 não traz grandes eventos, mas amplia todas as camadas que o anime vem construindo: luto, identidade, religião, repressão e percepção. É um episódio de ruídos sutis — sons que nem todos escutam, dores que nem todos enxergam, corpos presentes que já morreram, e ausências que continuam vivas.

O vilarejo está mais estranho. As pessoas, mais inquietas. E Yoshiki… cada vez mais perto de explodir. Que venha o episódio 5.

Foto destaque: Cena do anime “O Verão em que Hikaru Morreu”. (Reprodução/Netflix)