
REVIEW – Gostinho de Amor: Episódios 3 e 4
Na cozinha, tudo pode ser reconstruído, inclusive a confiança e em “Gostinho de Amor”, os episódios 3 e 4 rompem o ritmo contemplativo dos primeiros capítulos e mergulham em um turbilhão de imprevistos, escândalos e sutilezas que revelam, aos poucos, o real tempero dessa história. O fogo que destrói o restaurante de Yeon-joo acende também uma faísca: a de relações que ardem em dúvida, desejo e desconfiança. Mais do que movimentar a trama, os eventos recentes expõem camadas profundas dos personagens. O roteiro passa a apostar menos na exposição e mais na colisão, de vontades, de sentimentos, de segredos.
Leia Mais: REVIEW – Gostinho de Amor: Episódios 1 e 2
Leia Mais: Gostinho de Amor: Kang Ha Neul e Go Min Si enfrentam novos desafios

Quando tudo pega fogo
O terceiro episódio começa literalmente em chamas. Não só pelo incêndio que devasta o restaurante de Yeon-joo, mas pela escalada emocional que ameaça queimar pontes e alianças frágeis. O roteiro opta por provocar, testando a resistência da protagonista diante de um acúmulo de injustiças e frustrações.
É ali, no calor da tragédia, que a narrativa ganha corpo. Em vez de vitimizar Yeon-joo, a série a fortalece. Ela se recusa a ruir. Há algo profundamente comovente na maneira como ela enfrenta os escombros, com uma dignidade silenciosa que não grita por piedade.
A direção acerta ao equilibrar cenas de tensão e pequenos alívios cômicos, sobretudo com Chun-seung, cuja aparente grosseria esconde uma fragilidade inesperada. Seu colapso em lágrimas, diante da própria incapacidade e da constante reprovação alheia, é um dos momentos mais genuínos do episódio.

O silêncio entre o estrondo
Beom-woo, por sua vez, ainda caminha entre sombras. Sua posição como espião e aliado involuntário de Yeon-joo gera um conflito interno que a série só começa a explorar. Ele mente, hesita, protege, tudo ao mesmo tempo. E embora seus sentimentos pareçam sinceros, seu passado o condena em silêncio.
A viagem até o campo para buscar o meju (ingrediente tradicional de soja) é mais do que uma missão culinária. É um rito de passagem para os dois. O ônibus sacolejando pela estrada é metáfora para o relacionamento: incômodo, vacilante, mas ainda assim em movimento.
A cena da chuva no ponto de ônibus, com a tensão implícita no gesto de Yeon-joo ao puxá-lo para debaixo da cobertura, é um dos momentos mais delicados da série até agora. Nada é dito, mas tudo é sentido.
Uma competição recheada de intenções
O episódio 4 muda o tom. Sai o drama mais soturno, entra o dinamismo de uma competição gastronômica. A narrativa encontra frescor ao colocar os personagens diante de um objetivo comum, ainda que em um ambiente competitivo e claramente manipulado.
Yeon-joo, fiel à sua essência, quer servir comida simples. Recusa os artifícios. Beom-woo, mais pragmático, tenta convencê-la a ceder ao apelo visual. O embate entre os dois espelha seus próprios dilemas internos: ela, firme em suas raízes; ele, dividido entre conveniência e verdade.

É interessante como o roteiro transforma o festival de comida em uma espécie de arena emocional. O prato, ali, é uma extensão do caráter de cada um. E a disputa com Young-hye, que retorna com um desejo quase patológico de provar superioridade, adiciona um tempero amargo ao episódio.
Ingredientes secretos: afeto e arrependimento
Entre gimbaps adaptados e drinks artesanais, o verdadeiro ingrediente que movimenta tudo é o afeto. E ele aparece nas pequenas coisas: no olhar prolongado, no cuidado implícito, na hesitação antes do toque. É curioso como a série evita declarações óbvias e justamente por isso consegue ser tão convincente.
A química entre Yeon-joo e Beom-woo amadurece com os tropeços. Não é uma relação construída em idealizações. Ela se forma entre cinzas, suspeitas e comidas preparadas às pressas em uma cozinha improvisada. Quando o beijo acontece, no final do episódio 4, não soa precoce, soa inevitável.
É um gesto que mistura frustração, atração e entrega. E, acima de tudo, é um ponto de virada: dali em diante, não há mais como fingir que nada está acontecendo.
Técnica a serviço da emoção
A fotografia se mantém sóbria, mas sabe capturar os momentos íntimos com precisão. O foco suave nas expressões, as cores quentes do festival, o contraste entre o caos do incêndio e a serenidade do campo, tudo reforça o estado emocional dos personagens. As atuações também crescem. Lee Yoo-young, como Yeon-joo, domina cada cena com economia e expressividade.
Não precisa exagerar. Seu olhar fala mais do que qualquer discurso. Kang Ha-neul, como Beom-woo, ainda flerta com o caricato, mas começa a encontrar nuances mais contidas, sobretudo nas cenas de dúvida e fragilidade. A direção não subestima o espectador. Confia no tempo da história, e nos silêncios tanto quanto nos diálogos.

No fim, o que resta de “Gostinho de Amor” nesses dois episódios é uma sensação de recomeço. O restaurante foi destruído, mas a identidade de Yeon-joo permanece. O relacionamento com Beom-woo é incerto, mas cheio de promessas. Há algo de reconfortante nessa mensagem: o sabor da vida está nos detalhes, nos erros corrigidos, nas refeições divididas, nos afetos que nascem onde só havia rivalidade. E mesmo sem levar o prêmio da competição, Yeon-joo ganha algo maior: respeito, cumplicidade e um futuro que ela começa a cozinhar com suas próprias mãos.
O sabor agridoce de quem aprende a sentir
Como espectadora, o que mais me tocou nesses episódios foi perceber como o dorama evita atalhos fáceis para construir emoção. Em vez de discursos prontos ou gestos exagerados, “Gostinho de Amor” aposta no olhar demorado, no silêncio desconfortável, na pausa entre uma decisão e outra. Isso me fez sentir próxima dos personagens, não como heroínas ou vilões, mas como gente comum ferida, teimosa, às vezes confusa, quase sempre tentando acertar. Yeon-joo me encantou por sua dignidade diante da perda.
Ela não se faz de forte, mas também não se rende. Já Beom-woo, com suas contradições, me lembrou que nem toda mentira nasce de má-fé; às vezes, é só medo de não ser aceito como se é. Ver os dois se aproximando não pela perfeição, mas pelas falhas compartilhadas, foi como testemunhar algo raro: o nascimento de um afeto real. No fim, saí do episódio com um nó na garganta e um pensamento na cabeça, talvez o amor, como uma boa receita, precise mesmo de tempo, calor e um pouco de caos.
Os episódios 5 e 6 serão lançados nos dias 26 e 27 de maio na Netflix.
Foto Destaque: cena do k-drama “Gostinho de Amor”. Divulgação/Netflix
Gostinho de Amor – Episódios 3 e 4
Resumo
Nota: ★★★★☆ (4 de 5 estrelas)
Nos episódios 3 e 4 de *Gostinho de Amor*, a trama deixa o clima leve dos capítulos iniciais e mergulha em um território mais denso e emocional. O incêndio no restaurante de Yeon-joo serve como metáfora para os conflitos internos dos personagens, que agora precisam lidar com perdas reais, dilemas morais e afetos em ebulição. A competição culinária acrescenta dinamismo, enquanto o romance começa a se desenhar com delicadeza, sem pressa, mas cheio de sinais. A química entre o casal protagonista, o crescimento emocional de personagens como Chun-seung e a direção sensível consolidam a série como uma comédia romântica com substância, que mistura afeto, caos e sabores da vida com autenticidade.