Korean Magazine BR

"Round 6" perdeu o jogo e a crítica social também

“Round 6” perdeu o jogo e a crítica social também

Quando Round 6 (ou Squid Game, como ficou internacionalmente conhecida) estreou, a série rapidamente se tornou um fenômeno global. Sua primeira temporada capturou o público com uma crítica social afiada sobre desigualdade econômica, desumanização e o desespero silencioso da sociedade sul-coreana. Era mais do que uma série de sobrevivência: era um reflexo sombrio e contundente de uma realidade que muitos preferem ignorar. Só que, infelizmente, esse brilho crítico não resistiu ao peso da própria fama.

A tão aguardada segunda temporada prometia expandir o universo dos jogos, aprofundar a crítica social e explorar as consequências do trauma. Mas o que entregou foi uma narrativa fragmentada, com histórias paralelas sem contexto, excesso de personagens mal desenvolvidos e diálogos que mais alongam o episódio do que acrescentam. A tentativa de reviver a dinâmica dos VIPs — agora mais envolvidos nos jogos — soa como uma reciclagem forçada, sem o mesmo impacto ou propósito da primeira temporada. É como se o diretor tentasse, a todo custo, repetir o sucesso da estreia, mas sem a estrutura que sustentava aquele universo.

"Round 6" perdeu o jogo e a crítica social também
(Foto: Reprodução/Netflix)

Um ego maior que a crítica social

Ao invés de aprofundar a crítica social prometida, a série mergulhou em um discurso cada vez mais individualista, que soa menos como uma denúncia coletiva e mais como um ajuste pessoal de contas. O que vemos não é um ataque ao sistema, mas sim uma espécie de narrativa egocentrada: “eu sofri, então preciso impedir que outros sofram como eu”. O problema é que, ao transformar essa dor pessoal no motor da história, Round 6 perde justamente aquilo que a tornava grandiosa — a universalidade do seu discurso.

O retorno dos VIPs, um dos elementos mais criticados da primeira temporada pela caricatura óbvia, poderia ter sido revisto, remodelado ou até aprofundado. Mas não: o roteiro insiste em repetir a fórmula, como se trazer as figuras grotescas de volta fosse suficiente para recriar a tensão inicial. Só que, agora, a crítica perdeu força, virou rotina. O que era assustador virou burocrático.

Mortes sem propósito e personagens descartáveis

O maior sinal dessa desconexão narrativa está nas mortes da terceira temporada. A eliminação de três personagens femininas — a mulher trans, a senhora e a mulher grávida — é um exemplo claro de como a série passou a descartar figuras com potencial dramático, em vez de explorar suas histórias. Dentre elas, a personagem trans parecia ter a força emocional e narrativa para chegar até o final, representando não só resistência, mas também diversidade em um ambiente hostil.

Eliminá-las tão cedo, sem propósito claro, não só esvaziou a carga emocional da temporada, como mostrou um roteiro preguiçoso, optando por um caminho mais cômodo, previsível e, infelizmente, genérico. É o tipo de escolha que parece feita mais para chocar do que para contar algo novo.

"Round 6" perdeu o jogo e a crítica social também
(Foto: Reprodução/Netflix)

O jogo acabou faz tempo

Round 6 começou como uma crítica ao sistema. Hoje, é uma vítima do próprio sistema. Uma série que se perdeu em sua grandiosidade, tentando repetir fórmulas e resgatar elementos que já não funcionam mais. O final, apesar de buscar coerência e justificar suas voltas narrativas, soa desconectado — mais uma explicação forçada do que uma conclusão real. A essência do que Round 6 representou em sua estreia se dilui a cada nova tentativa de expansão. A impressão que fica é que o diretor e a equipe criativa deixaram de jogar pelo propósito — e começaram a jogar por vaidade. E, nesse jogo, todos perdemos.

Foto destaque: Cena de “Round 6”. (Reprodução/Netflix)