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Jonghyun e Sulli e Goo Hara. Reprodução/Divulgação

A pressão nos bastidores: a indústria do K-Pop e os desafios da saúde mental

A discussão sobre saúde mental no K-pop não é apenas uma questão interna da indústria, mas algo que afeta toda a cultura de fãs

Ao se olhar para o K-pop pelo lado de fora, tudo parece ser feito com “mágica”: palcos com estruturas grandiosas, fãs apaixonados pelas músicas, coreografias ou por tudo o que presencial, e um brilho irresistível que envolve cada performance dos idols em programas de televisão, turnês ou shows promocionais. E, por trás de todo esse glamour, existe uma realidade pesada e, em grande parte dos casos, invisível. A perfeição cobrada e presente dentro da indústria do K-pop exige de cada idol e trainee, mas essa busca constante tem um preço alto para quem está sob os holofotes. Um preço que envolve o emocional e o psicológico, do qual coberto por uma nuvem invisível, afeta profundamente a vida dos artistas.

Nos últimos tempos, temos ouvido mais sobre os desafios de saúde mental K-pop, e como a pressão extrema, os treinos rigorosos e a exposição constante ao público podem abalar os artistas. Mas este tema ainda precisa ser discutido com atenção, e também, com empatia, afinal por trás de todo idol de um fenômeno mundial que move milhões de fãs, existe um ser humano que lida com as pressões da indústria e dos bastidores.

O sistema que fabrica estrelas e gera crises

O K-pop conhecido e admirado dos dias atuais é o resultado de uma longa evolução dentro da indústria da música sul-coreana. A sua forma, ainda tímida e diferente do atual, começou nos anos 1990 com o grupo Seo Taiji and Boys quebrando barreiras das músicas ao misturar gêneros como hip hop, rock e techno em letras modernas e provocativas. Este foi o primeiro passo para o que viria a ser o K-pop atual.

E a indústria passou a tomar ainda mais forma com a fundação das três agências de entretenimento que lançariam grupos e solistas dos quais as fãs atravessaram gerações e moldaram o gênero até os dias atuais: SM Entertainment, YG Entertainment e JYP Entertainment. Nos anos 2000, o K-pop dominava o cenário musical na Coreia do Sul, e as agências começaram a se preparar para expandir para a Ásia. Grupos como TVXQ, H.O.T e Shinhwa estavam em ascensão com turnês pelo Japão, China e Sudeste Asiático, dando base para construir o fenômeno que o gênero se tornaria anos mais tarde.

No final da década de 2000, começou o que ficou conhecido como a “segunda geração”, e foi este passo que fez o K-pop explodir em proporções internacionais com popularidade nos Estados Unidos e Europa. Grupos como Girls’ Generation, Super Junior, BIGBANG e Wonder Girls foram os que proporcionaram essa visibilidade ao gênero além das fronteiras asiáticas. Porém, em 2012, o K-pop entrou definitivamente no mercado global com o hit “Gangnam Style” do PSY, que alcançou 1 bilhão de visualizações, um marco inédito para a época de um ritmo que estava sendo descoberto aos poucos em comparação ao que estava no auge nas paradas de músicas internacionais.


K-Pop saúde mental
PSY em Gangnam Style. Reprodução/ YouTube

O gênero foi introduzido e passou a ser referência dentro do cenário de pop global, ao ponto das agências passarem a investir ainda mais nas produções e criarem estratégias que alcançassem o público global. Logo, o K-Pop começou a fazer parte das premiações como American Music Awards, VMA, Billboard ou Grammy com grupos como BTS e BLACKPINK sendo indicados ou ganhando categorias que, anteriormente, não havia espaço para o K-pop. Conforme essa indústria musical cresceu dentro da Coreia do Sul, o impacto psicológico na vida dos idols também passou a ser maior, devido às novas exigências e pressões em manter os níveis de produção elevados ao ponto de atender às expectativas da nova audiência mundial.

Quando o sucesso chega, a pressão aumenta

As seleções de trainees com jovens que aspiram serem idols ganharam outros critérios com a popularidade do K-pop, além de passarem horas exaustivas em treinamentos diários de canto, dança, atuação e idiomas estrangeiros. Pressões que se iniciam antes e após o debut, isso quando são selecionados. A competição passou a ser acirrada e exigente, o que também levou a estresse entre idols nos bastidores, ainda mais do que nos anos 1990 e 2000. Os olhos do mundo voltaram para o K-pop, tanto nas apresentações quanto na vida pessoal dos artistas.

Fãs, paparazzi e até haters acompanham cada passo, cada palavra e cada decisão. Para muitos idols, o medo constante de errar e a necessidade de atender às expectativas dos fãs e das empresas os levam a esconder seus verdadeiros sentimentos, criando um ciclo de isolamento e solidão. Além disso, a cultura do hate nas redes sociais tem um efeito devastador sobre os artistas. Desde comentários maldosos sobre aparência, peso, escolhas pessoais e até críticas sobre o desempenho em shows se tornam uma constante na vida dos artistas K-pop. Isso acaba levando muitos a desenvolverem transtornos de ansiedade, depressão e, em casos mais graves, pensamentos suicidas.


Santuário em memória a Kim Jong-hyun, do grupo SHINee. Reprodução/Ville Hasala/ hutterstock.com

As tragédias que marcaram e geram alerta

O tema da saúde mental no K-pop ganhou grande destaque após tragédias envolvendo alguns dos maiores nomes da música coreana. Em 2017, o cantor Jonghyun, integrante do grupo SHINee, tirou a própria vida após uma longa batalha contra a depressão. Em uma carta deixada por ele, Jonghyun falou sobre como a pressão para ser sempre perfeito o consumia e sobre o cansaço emocional de viver sob os holofotes. O caso gerou impacto não apenas nos fãs do SHINee, como do K-pop ao todo, trazendo à tona que os sentimentos dos artistas e muitas questões pessoais estavam sendo negligenciadas pelas agências, não oferecendo tratamento adequado para um suporte à saúde emocional.

Dois anos depois, em 2019, a cantora Sulli, ex-integrante do grupo f(x), também retirou a própria vida. Sulli enfrentou anos de assédio online e hate após sair do grupo para seguir carreira solo e expressar suas opiniões livremente. Ela frequentemente falava sobre como a pressão para se encaixar nos padrões da indústria a afetava profundamente. O caso de Goo Hara, que faleceu no mesmo ano, também chocou o mundo do K-pop. Hara era amiga próxima de Sulli e também sofreu intensamente com os ataques de ódio na internet. Esses casos trouxeram novamente à tona a urgência de se discutir a saúde mental na indústria e a necessidade de mudanças significativas no tratamento dos artistas.


Tributo à Goo Hara em Seul.
Tributo à Goo Hara em Seul. Reprodução/Chung Sung-Jun/Pool/Reuters

Os dados alarmantes da Coreia do Sul

Estudos conduzidos na Coreia do Sul revelam números alarmantes sobre a saúde mental, não apenas dos idols, como dos jovens sul-coreanos como um todo. Em maio de 2024, uma pesquisa do Ministério da Igualdade de Gênero e Família apontou que, a principal causa de morte dos jovens está sendo o suicídio. A pesquisa foi realizada com jovens dos 9 aos 24 anos, e os dados apontaram que a autolesão é uma das principais causas.

Outro dado preocupante é o aumento nos casos de transtornos alimentares entre os artistas, devido às rígidas dietas impostas para manter uma aparência física considerada “ideal” pela indústria e pelos fãs. Em uma entrevista em maio de 2024, a cantora Hyuna revelou em um talk show “Season B” que, para manter os 40kg, ela comia apenas um pedaço de kimbap enquanto realizava a agenda, e isso gerou consequências. Ela disse: “Naquela época, eu sobrevivia com um único pedaço de kimbap enquanto realizava todas as atividades programadas. Isso me destruiu. Aos 26 anos, eu não estava muito saudável”.

Além disso, é comum que muitos idols escondam seus problemas de saúde mental na indústria do entretenimento com medo de parecerem fracos ou de perderem contratos. A falta de suporte psicológico adequado dentro das empresas de entretenimento também é um fator agravante.


Tributo à Sulli
Tributo à Sulli. Reprodução/Google Imagens

As alternativas da indústria

Com o propósito de encontrar uma melhor solução, as empresas estão começando a criar programas para dar suporte aos seus artistas. Em janeiro, a HYBE se tornou a primeira empresa a estabelecer iniciativas de apoio K-pop com um centro de saúde com médicos qualificados, de modo que a integridade não apenas dos artistas, mas dos membros das equipes de produção e apoio também tenha um suporte em questões de transtornos mentais.

Em contrapartida, os familiares dos artistas também tomam iniciativas. Em setembro, Kim So-dam, a irmã do falecido membro do SHINee, Jong-hyun, lançou um projeto de aconselhamento psicológico voltado aos jovens artistas. A família do cantor fundou uma organização em 2018, a Shiny Foundation, que oferece suporte psicológico, para que os jovens não tenham o mesmo destino do integrante do boygroup.


K-Pop saúde mental
Kim So-dam em projeto de aconselhamento psicológico para jovens. Reprodução/ Divulgação

Grupos como BTS também têm ajudado a trazer essa conversa à tona, falando abertamente sobre saúde mental em entrevistas e letras de músicas. Em 2018, Suga, integrante do BTS, revelou em uma entrevista que lutava contra a depressão e ansiedade, e que escrever músicas o ajudava a lidar com seus sentimentos. Esses depoimentos têm sido fundamentais para quebrar o estigma em torno do tema e encorajar outros artistas e fãs a buscarem ajuda.

Embora algumas empresas estejam começando a dar mais atenção ao bem-estar de seus artistas e a pressão da indústria K-pop, ainda há muito a ser feito. Algumas propostas que especialistas sugerem incluem:

  • Treinamento psicológico desde o início: Empresas devem fornecer suporte psicológico para os trainees desde o começo, para que eles aprendam a lidar com a pressão e as críticas de maneira saudável.
  • Limitar horas de trabalho: Reduzir as horas de treinamento e criar períodos de descanso para que os idols possam se recuperar física e mentalmente.
  • Suporte contínuo: Implementar programas de acompanhamento psicológico ao longo da carreira dos artistas, em vez de apenas nos momentos de crise.
  • Educar os fãs: Campanhas de conscientização sobre os efeitos do cyberbullying e a importância de tratar os idols como seres humanos podem ajudar a diminuir a cultura do hate.

A discussão sobre saúde mental no K-pop não é apenas uma questão interna da indústria, mas algo que afeta toda a cultura de fãs e o próprio futuro do gênero. Os artistas, que dedicam suas vidas a proporcionar entretenimento para milhões de pessoas, merecem ser cuidados e protegidos ao invés de adquirirem transtornos mentais.

A mudança precisa vir de dentro, com empresas adotando políticas mais humanas, mas também dos fãs, que devem entender que por trás de cada idol existe uma pessoa, com sentimentos e limitações. O K-pop não precisa perder seu brilho. Com o suporte certo, os artistas podem continuar brilhando, mas de forma saudável e duradoura.

Foto destaque: Jonghyun e Sulli e Goo Hara. Reprodução/Divulgação