
“Na Teia da Aranha” traz a busca pela obra-prima entre humor e censura
Em “Na Teia da Aranha”, Kim Jee-woon entrega mais do que um simples thriller ou um drama sobre bastidores: ele constrói uma verdadeira carta de amor (e loucura) ao próprio cinema. Com uma estética que alterna entre o preto e branco e o colorido, o filme convida o espectador a entrar em uma espiral de camadas narrativas, onde o que vemos é, simultaneamente, um filme… dentro de outro filme.
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Ela não é apenas estética: ela é conceitual. As cenas em preto e branco representam a obra que está sendo filmada dentro do longa — uma referência direta aos clássicos do terror ocidental e asiático da era dourada do cinema, com seus enquadramentos rígidos, atuações com dublagens por cima, hoje vista como caricata. Ao mesmo tempo, as cenas em cores mostram os bastidores, com atuações mais humanas e emocionais, permitindo que o espectador faça esse contraste técnico e emocional com clareza. O resultado é um jogo visual riquíssimo, que homenageia a história do cinema e ironiza suas limitações.

Um diretor à beira do colapso: entre o ego e a arte
Kim Jee-woon nos apresenta um protagonista obcecado por alcançar a obra-prima. Seu diretor-personagem quer mais do que filmar: ele quer transcendência. A busca pelo “filme perfeito” se torna um monólogo existencial sobre o papel do artista e os limites da criação. O set vira um campo de batalha entre o que é real e o que é idealizado, e a linha entre sanidade e obsessão vai se apagando.
Há uma tensão constante entre a criação e a frustração — algo que se reflete tanto na narrativa quanto na forma. Essa é a luta de tantos cineastas: agradar ao público, driblar as amarras da censura e, ainda assim, manter a integridade artística. Em um dos momentos mais simbólicos, vemos o conflito entre mestre e criatura: o diretor vive à sombra de um mentor já falecido, sendo constantemente comparado ao passado. Esse duelo interno sobre identidade, originalidade e legado é uma das espinhas dorsais emocionais da trama.
A censura como espectro silencioso da década de 1970
Ambientado na Coreia do Sul dos anos 70, o filme também carrega o peso político de um período onde a censura dominava a produção cultural. “Na Teia da Aranha” não mergulha diretamente nesse tema, mas o aborda com sutileza e inteligência. As limitações impostas pela ditadura militar aparecem como obstáculos narrativos e criativos, refletindo a realidade dos diretores da época — muitos deles impedidos de realizar plenamente suas visões artísticas.
Esse pano de fundo serve não apenas como contextualização histórica, mas como espelho da repressão criativa. É uma crítica implícita, mas poderosa: o cinema sempre foi uma forma de resistência, mesmo que sob camadas de metáfora e linguagem visual.
“Na Teia da Aranha” está entre o humor e a tensão
Apesar de se apresentar como um thriller psicológico, o filme brinca com o humor em diversos momentos. O cômico surge, principalmente, nas cenas coloridas, cujas atuações expressão mais emoção e realidade, nas cenas preto e branco existe riso não por alívio, mas por absurdo. É como revisitar um filme antigo com olhos de hoje e se perguntar: “Como isso já foi considerado bom cinema?”

Essa comparação é intencional. Kim Jee-woon não está apenas homenageando o passado: ele o confronta. E ao contrapor essas cenas com os bastidores coloridos, cheios de emoção genuína, o filme cria um contraste vivo entre a história do cinema e sua evolução — entre o que era considerado inovador na época hoje presamos pela mais pura emoção, a linha tênue entre ator e personagem.
Caos, cinema e criatividade em estado bruto
“Na Teia da Aranha” é um mergulho no inconsciente de um criador. Um labirinto de ideias, referências, tensões e reflexões sobre o que é fazer cinema — e o quanto se está disposto a sacrificar por isso. Com plot twists constantes, ritmo imprevisível e um clima que oscila entre o lúdico e o sombrio, o filme encanta pela originalidade e pelo amor declarado à sétima arte.
No fim, não estamos apenas assistindo a um longa: estamos testemunhando o processo de alguém que quer criar algo inesquecível. E esse é o maior mérito de Kim Jee-woon — transformar a obsessão em espetáculo. “Na Teia da Aranha” estreia no Brasil no dia 12 de junho, Dia dos Namorados, e apesar de não ser uma escolha óbvia para a data, é um presente para quem ama cinema em sua forma mais caótica, sensível e apaixonada.
Foto destaque: Cartaz do filme “Na Teia da Aranha” (Reprodução/Pandora Filmes)
"Na Teia da Aranha" traz a busca pela obra-prima entre humor e censura
Resumo
Nota: ★★★★★ (5 de 5 estrelas)
Na Teia da Aranha, de Kim Jee-woon, é uma metalinguagem cinematográfica que mistura terror clássico e drama nos bastidores da criação de um filme. Alternando cenas em preto e branco e colorido, o longa revela a obsessão de um diretor por sua obra-prima em meio à censura da Coreia dos anos 70. Um espetáculo visual que expõe o caos e o amor pelo ato de filmar.